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As aranhas despertam tanto fascínio quanto temor, mas seu papel na natureza vai muito além das crenças populares. Essas pequenas arquitetas de teias desempenham uma função essencial no equilíbrio ecológico, pois contribuem com o controle das populações de insetos e de outros invertebrados. No Brasil, um dos países mais biodiversos do mundo, há muito a ser descoberto sobre esses aracnídeos, especialmente na Caatinga, um bioma singular que ainda é pouco estudado.

Para entender melhor a importância e os desafios da conservação das aranhas, conversamos com o Prof. Célio Moura Neto, biólogo e pesquisador na área de Ecologia de Aracnídeos. Com experiência em estudos sobre a diversidade de aranhas na Caatinga, ele destaca como esses animais influenciam o equilíbrio dos ecossistemas e esclarece mitos sobre esses aracnídeos. Além disso, Célio enfatiza a necessidade de mais pesquisas e da proteção dos ambientes naturais onde essas espécies ocorrem.

Entre suas pesquisas, o Prof. Célio também já estudou a fauna de aranhas da Reserva Natural Serra das Almas, unidade de conservação de 6.285 hectares localizada na divisa entre Crateús (CE) e Buriti dos Montes (PI). Criada e gerida pela Associação Caatinga, essa área preserva um importante fragmento do bioma, garantindo refúgio para diversas espécies de aracnídeos.

Prof. Célio Moura Neto, biólogo e pesquisador na área de Ecologia de Aracnídeos. Com experiência em estudos sobre a diversidade de aranhas na Caatinga. Entre suas pesquisas, já estudou a fauna de aranhas da Reserva Natural Serra das Almas, unidade de conservação de 6.285 hectares localizada na divisa entre Crateús (CE) e Buriti dos Montes (PI).

Confira a entrevista completa

Associação Caatinga | Qual a importância das aranhas para o equilíbrio ecológico?

Célio Moura | As aranhas são tipicamente carnívoras e, entre os invertebrados terrestres, estão entre os grupos de predadores mais abundantes e diversificados. Com isso em mente, já é possível compreender a importância desses animais para o equilíbrio ecológico. Elas se alimentam de uma grande variedade de presas, principalmente insetos, mas também de outros grupos de invertebrados, incluindo outras aranhas. Dessa forma, as aranhas contribuem para o controle das populações desses animais, incluindo alguns vetores de doenças que afetam os seres humanos, como moscas (vetores do vírus causador da doença-da-mosca), mosquitos (vetores de doenças como dengue, febre amarela e chikungunya) e baratas (vetores de bactérias causadoras de doenças gastrointestinais).
Além disso, algumas aranhas maiores, como as caranguejeiras, podem eventualmente se alimentar de pequenos vertebrados. Entre os exemplos mais conhecidos, estão as aranhas-pescadoras, que capturam pequenos peixes e girinos na superfície da água. Algumas espécies também predam lagartos, anfíbios, pequenos mamíferos, como ratos e camundongos, e, mais raramente, aves.

 

Associação Caatinga | Qual é a principal ameaça à conservação das aranhas no Brasil? E o que aconteceria caso elas deixassem de existir?

Célio Moura | A destruição dos ecossistemas naturais é a principal ameaça à conservação das aranhas no Brasil. Embora algumas espécies tenham conseguido se adaptar a ambientes urbanizados, a maioria depende de habitats bem preservados para sobreviver.

Muitas aranhas constroem teias para capturar suas presas, o que as torna altamente dependentes da estrutura do ambiente. A degradação desses habitats pode reduzir drasticamente suas populações, já que muitas espécies provavelmente não conseguiriam se adaptar a cenários urbanos. Além disso, as aranhas são predadoras generalistas, capturando uma ampla variedade de presas, mas nem todas conseguem caçar as mesmas espécies de insetos.

Esse papel predatório tem grande importância ecológica, especialmente no controle de pragas agrícolas. As aranhas ajudam a regular populações de insetos como mariposas, borboletas e besouros, cujas fases larvais se alimentam de folhas e flores, causando prejuízos às plantações. Dessa forma, contribuem para o equilíbrio dos ecossistemas e para a preservação da biodiversidade.

Associação Caatinga | Quantas espécies de aranhas existem no Brasil? E quantas dessas espécies estão presentes na Caatinga (endêmicas ou não)?
Célio Moura | Essa é uma pergunta difícil de responder por dois motivos principais. O primeiro é o fato de o Brasil ser um país de dimensões continentais que abriga uma grande diversidade de habitats, incluindo hotspots de biodiversidade (locais que concentram alta biodiversidade). O segundo motivo é que ainda não exploramos de maneira satisfatória, cientificamente falando, a diversidade de aranhas (e de muitos outros grupos de invertebrados terrestres) no Brasil. Além disso, a maioria dos estudos está concentrada nas regiões Sudeste e Amazônica. Atualmente, há pouco mais de 52.000 espécies de aranhas descritas em todo o mundo. Para o Brasil, estima-se que haja em torno de 4.000 espécies registradas, um número que deve crescer cada vez mais rapidamente.
Caatinga, por exemplo, é um dos biomas menos estudados em termos de diversidade de aranhas. 15 anos atrás, havia poucos inventários, e a maioria dos estudos se limitava a coletas esparsas e à descrição de espécies. Mais recentemente, começamos a ter mais estudos sobre a araneofauna da Caatinga (conjunto de espécies de aranhas que habitam a Caatinga). No Ceará, por exemplo, tivemos recentemente a publicação da lista das espécies de aracnídeos para o estado, por meio do Projeto Cientista Chefe do Meio Ambiente da Secretaria do Meio Ambiente e Mudança do Clima (SEMA). No entanto, essa lista inclui apenas as espécies já conhecidas para o Estado, com base em poucas publicações e em material depositado em algumas coleções científicas do país. O mais importante agora é investir em inventários, especialmente nas áreas prioritárias para a conservação.

Associação Caatinga | Você já realizou pesquisas na Reserva Natural Serra das Almas? Como foi a sua experiência dentro da RNSA?
Célio Moura | Curiosamente, o primeiro projeto do qual participei foi justamente um inventário de aranhas na Reserva Natural Serra das Almas, e foi uma excelente experiência inicial. Mais recentemente, participei de um projeto na mesma reserva, mas com foco na diversidade de opiliões, um grupo de aracnídeos relacionado às aranhas. Os opiliões são pequenos aracnídeos parecidos com aranhas, porém possuem o corpo fundido em uma única porção e, geralmente, pernas muito longas. Diferente de suas “primas” aranhas, não injetam toxinas em suas presas.

Associação Caatinga | Quais espécies de aranhas foram encontradas lá? É possível fazer uma espécie de guias de aranhas da Serra das Almas?
Célio Moura | O projeto no qual participei foi o único realizado até o momento na área. Tratou-se de um inventário rápido e, apesar disso, foram registradas cerca de 100 espécies, das quais aproximadamente 10 eram novas para a ciência. Com certeza, com mais coletas na área, esse número será bem maior.
A ideia de criar um guia das espécies de aranhas (e também de outros aracnídeos) da Reserva seria muito relevante. Além de contar com uma diversidade provavelmente alta, tal publicação também seria extremamente interessante para os esforços de conservação da área e contribuiria para uma maior conscientização do público em geral sobre esses animais.

Associação Caatinga | O que torna as aranhas da Caatinga particulares em comparação com espécies de outros biomas, e há risco de extinção para alguma delas?
Célio Moura | É difícil responder a esta pergunta, pois ainda há pouquíssimos estudos com enfoque ecológico das espécies da Caatinga. No entanto, é possível afirmar que existem diversas espécies com adaptações específicas a esse bioma. Muitas delas apresentam um ciclo de vida sincronizado com as estações. Na Caatinga, diversas espécies nascem pouco antes ou durante o período das chuvas, justamente quando há maior abundância de insetos, suas principais presas. Outra importante adaptação das aranhas é o fato de se manterem escondidas em tocas, abrigos ou sob o solo durante o dia, quando as condições são mais quentes e secas, saindo à noite para construir suas teias e caçar suas presas.

Considerando a diversidade de hábitats dentro da Caatinga, é possível também afirmar que existem espécies restritas a ambientes específicos. A destruição desses ambientes acarretaria, portanto, a extinção dessas espécies, muitas das quais provavelmente ainda nem foram descritas.

Associação Caatinga | Como unidades de conservação, como a Serra das Almas, contribuem para a preservação dos aracnídeos?
Célio Moura | Unidades de conservação, como a Reserva Natural Serra das Almas, são imprescindíveis para a preservação das espécies de aracnídeos e de outros organismos que ocorrem nessas áreas. Um dos aspectos mais importantes é que essas unidades preservam hábitats únicos, que abrigam muitas espécies ainda desconhecidas para a ciência ou que já podem estar extintas localmente em áreas não protegidas.

Associação Caatinga | Muitas pessoas veem as aranhas como insetos, mas na verdade elas são aracnídeos. Pode nos explicar a diferença entre esses conceitos e por que existe essa confusão?
Célio Moura | Aranhas e insetos são animais com muitas características semelhantes, pois ambos pertencem ao grupo dos artrópodes. Por conta disso, é comum que aranhas sejam chamadas de ‘insetos’, mas uma breve observação de suas características anatômicas permite diferenciar esses animais mais facilmente.

As aranhas têm o corpo dividido em duas partes (cefalotórax e abdome), possuem quatro pares de pernas (oito ao total) e não têm antenas, enquanto os insetos têm o corpo dividido em três partes (cabeça, tórax e abdome), três pares de pernas (seis ao total) e um par de antenas.

Associação Caatinga | Muitas pessoas sentem medo de aranhas. Existe algum conselho para que elas vejam esses animais de forma mais positiva?
Célio Moura | O medo de aranhas é algo relativamente comum, mas grande parte desse medo tem uma origem cultural. Desde cedo, muitas crianças são ensinadas a temer esses animais, e só muito tempo depois são informadas sobre eles, mas o medo já está enraizado. Além disso, existem vários mitos relacionados às aranhas, sendo o mais preocupante a ideia de que todas as espécies são perigosas para os seres humanos. Embora quase todas as espécies sejam realmente peçonhentas, poucas são de fato perigosas para o ser humano.
Ações de educação ambiental com foco nesses animais, envolvendo tanto crianças quanto adultos, tendem a ser eficazes no combate ao medo e aos preconceitos. Além disso, ensinar sobre as aranhas, sua importância e sua ecologia complexa pode despertar o interesse das pessoas e tornar esses animais mais fascinantes e menos aterrorizantes para elas.

Associação Caatinga | Os acidentes com aranhas são realmente frequentes? Quais são as principais causas desses incidentes e como podemos evitá-los?
Célio Moura | Acidentes com aranhas não são frequentes na maioria das regiões. Esses acidentes costumam ocorrer em circunstâncias bem específicas, como quando alguém veste uma roupa ou calça um sapato onde há uma aranha, comprimindo o animal, que, por uma reação de defesa, tenta picar. Outra ocorrência comum é quando a pessoa está limpando um ambiente ou anda desprotegida (descalço, por exemplo) e acaba pisando no animal. Nesse sentido, é importante manter o ambiente limpo, evitar entulhos ao redor e, em áreas com maiores índices de acidentes, ter o hábito de verificar roupas e calçados antes de usá-los.
Apesar disso, há poucas espécies realmente capazes de causar problemas mais graves. No Brasil, temos três gêneros de aranhas consideradas de interesse médico: Loxosceles (aranhas-violino ou marrons), Latrodectus (aranhas-viúvas) e Phoneutria (aranhas-armadeiras). No Ceará, os casos de acidentes com Loxosceles são os mais notáveis, tanto pela gravidade quanto pela abundância dessas aranhas. As viúvas-negras não são abundantes aqui e, pelo menos até o momento, não há registros válidos de aranhas-armadeiras no Ceará.

Em caso de acidente, é sempre importante procurar uma unidade de saúde básica ou, se possível, ir diretamente a um hospital de referência para atendimento a vítimas de acidentes com animais peçonhentos. É recomendável fotografar o animal envolvido no acidente e, se possível, capturá-lo e levá-lo para que seja devidamente identificado por um profissional. Por fim, é imprescindível que a notificação do caso seja realizada. Além de contribuir para a coleta de mais dados, isso permitirá acionar os agentes de controle de endemias para que visitem a área do acidente e coletem mais informações, a fim de evitar novos acidentes.