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Por Fernanda Machado, Terra da Gente

Após mais de um século sem registros da espécie na região do Planalto da Ibiapaba, entre os municípios de Crateús (CE) e Buriti dos Montes (PI), 18 exemplares do ameaçado periquito-cara-suja (Pyrrhura griseipectus) foram reintroduzidos na Reserva Natural Serra das Almas (RNSA), no Ceará, na madrugada desta quinta-feira (12).

De acordo com Fábio Nunes, biólogo da Aquasis, o retorno da espécie ao seu habitat natural é considerado um marco histórico e ecológico, e simboliza uma reparação ambiental e uma vitória para a conservação da biodiversidade brasileira.

“A reintrodução do periquito-cara-suja pode gerar diversos impactos positivos, como incentivar a conservação no entorno da reserva, fomentar o turismo ecológico e abrir caminho para a reintrodução de outras espécies no futuro”.

A Reserva Natural Serra das Almas já se tornou um refúgio para espécies que retornaram naturalmente, como a paca, o tatu-bola e o guariba-da-caatinga. No entanto, espécies localmente extintas pela ação humana, como o cara-suja, as emas e as araras, necessitam de intervenções diretas para que possam voltar ao seu habitat.

A iniciativa faz parte do projeto Refaunar Arvorar, desenvolvido pelo Parque Arvorar, do Beach Park, em parceria com as ONGs Associação Caatinga e Aquasis.

A ação também integra o Plano de Ação Nacional para Conservação das Aves da Caatinga, liderado pelo Ministério do Meio Ambiente, que busca proteger espécies nativas em risco.

Critérios de seleção e preparo para a reintrodução

Antes da reintrodução, os 18 periquitos passaram por avaliações conduzidas por biólogos, veterinários e zootecnistas para garantir sua saúde e adaptação ao ambiente.

Os indivíduos foram selecionados com base em critérios utilizados na soltura realizada na Serra da Aratanha, em 2022, o que inclui:

  • Pertencerem a grupos familiares de vida livre, garantindo coesão social e melhor adaptação ao ambiente;
  • Estarem habituados ao uso de caixas-ninho para dormir, facilitando o manejo;
  • Já terem sido previamente treinados para utilizar comedouros, o que contribui para o processo de aclimatação e soltura gradual.

“Esses processos são essenciais para garantir a sobrevivência dos animais no habitat natural e minimizar riscos, como predadores e doenças”, explica.

As aves passaram cinco meses em recintos de aclimatação dentro da reserva, um período essencial para que se familiarizassem com o ambiente, criassem identificação com o local e fortalecessem os laços do grupo familiar. Esse preparo aumenta as chances de permanência na área e a sobrevivência após a soltura.

“Esse tempo é crucial para o primeiro grupo, pois ajuda a consolidar a área como habitat. Para futuras solturas, o tempo de aclimatação será reduzido, já que os próximos bandos terão a referência do grupo pioneiro”, reforça Fábio.

Outros três periquitos, apreendidos pelo IBAMA e acolhidos no Parque Arvorar, serão translocados para a reserva, onde passarão por um período de aclimatação antes de serem soltos definitivamente.

Serra das Almas: refúgio para a biodiversidade

Os periquitos-cara-suja foram soltos na Reserva Natural Serra das Almas (RNSA), uma das áreas de maior relevância para a conservação ambiental no Ceará.

Localizada entre os municípios de Crateús (CE) e Buriti dos Montes (PI), a reserva possui 6.285 hectares de vegetação preservada e é reconhecida pela UNESCO como o primeiro Posto Avançado da Biosfera no estado.

Segundo Kelly Cristina, coordenadora de comunicação da Associação Caatinga, a reintrodução dos periquitos-cara-suja na natureza só foi possível graças ao trabalho junto às 40 comunidades locais, que formaram um cinturão de proteção ao redor da reserva.

“Para receber os periquitos, a Serra das Almas passou por adaptações, como a construção de um viveiro de aclimatação de 6m x 8m, onde os animais foram preparados para a soltura. Além disso, a equipe de guarda-parques foi capacitada pelos técnicos do Projeto Cara Suja para realizar o cuidado e o monitoramento das aves transferidas”.

Além de abrigar espécies ameaçadas de extinção, como o próprio periquito-cara-suja, a Serra das Almas desempenha um papel crucial na manutenção de serviços ecossistêmicos, como a proteção de nascentes e a preservação do bioma Caatinga.

Arvorar: ciência e educação para a conservação

O parque temático Arvorar, inaugurado no último dia 6, tem como principal foco a educação e a conservação ambiental. Além de abrigar projetos como o Refaunar Arvorar, o espaço promove atividades voltadas para o engajamento comunitário e a conscientização sobre a importância da fauna e flora locais.

“Nosso objetivo é que o visitante venha até o parque e seja impactado de alguma forma, queremos que ele conheça mais sobre a nossa biodiversidade para que ele possa ajudar a conservá-la. Por isso nos preocupamos em proporcionar uma experiência imersiva de conexão com a natureza”, destaca Leanne Peixoto, gerente do Parque Arvorar.

Com a soltura dos periquitos-cara-suja, o projeto reforça sua missão de resgatar espécies ameaçadas e contribuir para a recuperação do equilíbrio ecológico da Caatinga. A iniciativa promete inspirar novas ações de conservação no Brasil e no mundo.