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Quem passa pela Reserva Natural Serra das Almas, na divisa entre Crateús (CE) e Buriti dos Montes (PI), no sertão cearense, sempre sai elogiando a comida. E não é por acaso. É do fogão da base da reserva que saem os sabores que fortalecem o dia a dia de quem trabalha, pesquisa ou visita a maior unidade de conservação privada do Ceará. No comando da cozinha está Antônia Nayara, mulher sertaneja de riso largo e força admirável, que há mais de uma década atua como encarregada de serviços gerais na Associação Caatinga, organização não governamental que gere a Serra das Almas.

Nayara é natural de Crateús (CE) e cresceu em uma casa cheia: mãe, avós, irmão; todo mundo junto. Ali, entre as panelas de casa, nasceu sua relação com os alimentos, inspirada pela mãe, que era cozinheira em uma fábrica da cidade. “Ela me ensinou tudo. Lembro que o primeiro prato que fiz foi um baião de dois, quando eu ainda era adolescente. Ela deixou a receita pra mim antes de sair: ‘Mistura aí o feijão e o arroz e bota a verdura que dá certo’. E deu, ficou maravilhoso. A mãe me elogiou e eu fiquei toda orgulhosa!”, conta Nayara, sorrindo.

Mas foi ainda na adolescência que Nayara deu os primeiros passos rumo a uma nova jornada. Desde pequena, costumava visitar com frequência Jatobá Medonho, comunidade rural do município de Buriti dos Montes, onde seu pai morava. O trajeto entre Crateús e Buriti dos Montes é rápido: são cidades vizinhas, localizadas exatamente na divisa entre o Piauí e o Ceará.

Em uma dessas idas à comunidade, Nayara participou de um festejo local e, durante o evento, conheceu o companheiro com quem vive até hoje. Com o tempo, decidiu se mudar de vez para Jatobá Medonho, aproximando-se do pai e iniciando uma nova etapa ao lado do parceiro.

É também nesse momento que a história de Nayara começa a se entrelaçar com a da Serra das Almas, uma vez que Jatobá Medonho é uma das comunidades rurais do entorno da reserva, onde a Associação Caatinga desenvolve projetos socioambientais voltados ao desenvolvimento sustentável e à geração de renda para famílias sertanejas.

Mas foi apenas em 2012 que sua trajetória se conectou de fato à da Serra das Almas. Nayara soube, por meio de Ronaldo — amigo da família e, à época, guarda-parque da unidade de conservação —, que havia uma vaga aberta para trabalhar no setor de serviços gerais da Reserva. Precisavam de alguém para cuidar da limpeza e da cozinha. “No começo, quando ele me convidou, fiquei com medo. Pensava: ‘Lá tem onça, cobra, como é que vai ser isso?’. Mas era uma boa oportunidade. Minha mãe e meu marido me incentivaram, e eu decidi tentar.”

No começo, quando ele me convidou, fiquei com medo. Pensava: ‘Lá tem onça, cobra, como é que vai ser isso?’. Mas era uma boa oportunidade. Minha mãe e meu marido me incentivaram, e eu decidi tentar.

Na primeira visita à Serra das Almas, preparou o café da manhã e o almoço. Foi aprovada no mesmo dia — e a rotina na reserva começou. “No início, quando os guarda-parques saíam para o mato, eu trancava tudo. Ficava sozinha na base. Aparecia cobra, ouvia macaco fazendo barulho… Eu pensava: ‘Meu Deus, isso não é pra mim’. Mas fui ficando, ficando, ficando… e hoje tenho paz.”

Ao longo dos anos, Nayara viu a estrutura da reserva se transformar, assim como sua própria relação com o lugar. Atualmente, é ela quem organiza os cardápios, planeja as compras de abastecimento, organiza o alojamento, prepara os alimentos e coordena a equipe de serviços gerais em dias de grandes visitas.

“Gosto demais de trabalhar aqui. Faço tudo com amor. Meu escondidinho é muito elogiado. E a galinha caipira com pirão também virou marca registrada. Quem vem aqui, geralmente comenta da comida. É bom demais saber que o povo gosta.”

A Serra das Almas e a família de Nayara

A importância da Serra das Almas na vida de Nayara vai muito além do trabalho. Ao longo dos anos, especialmente no início da década de 2010, a atuação da Associação Caatinga passou a alcançar as comunidades rurais do entorno da reserva, incluindo Jatobá Medonho, onde Nayara mora. “Antes, o pessoal das comunidades nem sabia direito o que era a Serra. Achavam que era só mato, cheio de bicho, e que quem trabalhava aqui era tudo gente rica. Depois, com a chegada dos projetos, isso foi mudando. Teve entrega de cisternas de placas, fogões ecoeficientes, oficinas… Hoje, a comunidade respeita muito mais”, conta Nayara.

O respeito veio com a presença concreta da Associação Caatinga “da porteira pra fora”. Por meio do Modelo Integrado de Conservação da Caatinga, a organização une a proteção da natureza ao desenvolvimento das comunidades rurais. São 40 comunidades atendidas na região, com ações que vão desde educação ambiental e combate à caça até capacitações, incentivo à geração de renda e entrega de tecnologias sociais de convivência com o semiárido. É um trabalho que reconhece que só é possível conservar a Caatinga se as pessoas que vivem nela tiverem dignidade e oportunidades. E Nayara vê isso dentro da própria casa. Seus dois filhos, George (10 anos) e Eric Luiz (5 anos), estudam na escola de Jatobá Medonho e participam das atividades da Associação Caatinga.

“George já fez oficina de reciclagem, participou de plantio… Ele chega em casa todo animado, contando tudo. Eles amam a Caatinga. Fico feliz demais, porque estão aprendendo desde cedo o que eu só fui aprender depois de grande.”

Ao lembrar da menina que cozinhava baião de dois no fogão de casa, Nayara reconhece o quanto cresceu. “Não foi fácil. Mas tudo o que conquistei foi com esforço. A Serra das Almas é minha segunda casa. Aqui eu cresci como pessoa, como profissional, como mãe. Hoje posso dizer que sou uma mulher realizada.”

E se pudesse deixar uma mensagem para outras mulheres da comunidade, Nayara fala com o coração:

No começo a gente tem medo, mas consegue sim. Se eu consegui, qualquer uma consegue. Acredite em você. A gente pode tudo.