Nos últimos anos, os brasileiros têm presenciado uma alta constante nos preços dos alimentos. Itens essenciais para o dia a dia, como arroz, ovos, feijão, leite, frutas e grãos, ficaram significativamente mais caros, o que coloca uma pressão crescente no bolso do consumidor. Entre os vários fatores que explicam esse aumento, um dos mais importantes é o impacto das mudanças climáticas, que tem alterado a produção agrícola de forma drástica. Com eventos climáticos extremos mais frequentes, como secas prolongadas e enchentes, o preço dos alimentos segue uma trajetória crescente, prejudicando tanto os produtores quanto os consumidores.
”Temperaturas mais altas podem aumentar os preços dos alimentos entre 0,92% e 3,23% ao ano até 2035.
Estudo publicado na revista Nature.
O efeito das mudanças climáticas na alta dos preços dos alimentos
O fenômeno da “heatflation”, que se refere à inflação impulsionada pelo calor, é uma das consequências das mudanças climáticas que mais contribuem para o aumento dos preços. Cientistas já alertam que o aumento das temperaturas pode, a longo prazo, elevar os preços dos alimentos em níveis consideráveis. Em um estudo publicado na revista Nature, foi estimado que as temperaturas mais altas podem aumentar os preços dos alimentos entre 0,92% e 3,23% ao ano até 2035. No Brasil, essa tendência já é uma realidade, e ela afeta diretamente o orçamento das famílias.
Secas e ondas de calor
Eventos climáticos extremos têm alterado a produtividade agrícola de diversas culturas no Brasil. A escassez de chuvas, especialmente no Nordeste, tem prejudicado a produção de alimentos como milho, feijão e mandioca. Essas culturas, essenciais para a alimentação básica de muitas famílias brasileiras, não conseguem se desenvolver adequadamente devido às secas que estão cada vez mais acentuadas e persistentes. Como resultado, a escassez desses produtos no mercado eleva os seus preços.
Além disso, o aumento das temperaturas também tem afetado o cultivo de frutas e hortaliças. Frutas como laranja e tangerina, que dependem de condições climáticas mais amenas, têm registrado perdas significativas devido ao calor excessivo. O estresse térmico também compromete a qualidade das colheitas e afeta a produção de leite. Em 2024, por exemplo, o preço do leite longa vida, que é o tipo de leite produzido a partir da pasteurização em altas temperaturas, subiu 18,83% em comparação ao ano anterior. Essa alta está diretamente ligada às dificuldades enfrentadas pelo setor produtivo, que precisa lidar com a redução da pastagem para o gado devido às altas temperaturas e às secas prolongadas.
O impacto da escassez de insumos: aumento de custos para os produtores
Com a redução da produção agrícola devido ao clima adverso, a oferta de alimentos fica restrita, o que eleva os preços para o consumidor final. No caso de produtos como café e milho — fundamentais tanto para o consumo humano quanto para a alimentação animal — as secas e as altas temperaturas têm dificultado o cultivo. A avicultura, por exemplo, é um dos setores mais afetados. O aumento no preço do milho, que serve como ração animal, reflete diretamente no preço dos ovos e da carne de frango.
Entre 2022 e 2024, o preço da caixa com 30 dúzias de ovos aumentou 61%, passando de R$134 para R$227, de acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea). A principal razão para esse aumento foi o estresse térmico das galinhas, que, quando expostas a temperaturas elevadas, gastam mais energia para manter a temperatura corporal. Como consequência, sua produtividade diminui.
A dependência de importações e seus efeitos no preço final
Além das questões internas, o Brasil também é impactado pela escassez de alimentos no mercado internacional. O azeite, por exemplo, é um produto que depende de importações de países como Portugal e Espanha, responsáveis por quase 60% da oferta nacional. Em 2022 e 2023, esses países enfrentaram secas prolongadas, o que afetou diretamente a colheita de azeitonas e elevou o preço do azeite. Esse aumento chegou aos consumidores brasileiros, que passaram a pagar mais por um item essencial em muitas casas.
Pequenos produtores: os mais vulneráveis às mudanças climáticas
A produção agrícola no Brasil é fortemente dependente dos pequenos produtores, especialmente nas regiões mais afetadas pela estiagem de chuva, como a Caatinga e, especialmente, a Amazônia em 2024. Esses agricultores familiares, muitas vezes, não têm acesso a tecnologias de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, como variedades de plantas resistentes ao clima ou sistemas eficientes de irrigação.
Além disso, a falta de recursos financeiros dificulta a adaptação às novas condições climáticas, o que leva muitos produtores a abandonar suas lavouras ou reduzir a produção. No caso dos pequenos produtores da Caatinga, a estiagem prolongada compromete a segurança alimentar das famílias rurais e afeta diretamente a economia local, tornando a atividade agrícola cada vez mais instável e desafiadora.
O que podemos fazer?
A relação entre mudanças climáticas e a alta dos preços dos alimentos é um reflexo de um problema global que exige soluções urgentes. Para mitigar esses impactos, é fundamental que o Brasil invista em políticas públicas que favoreçam a adaptação da agricultura às novas condições climáticas. Isso inclui o incentivo à agroecologia, ao desenvolvimento de culturas mais resistentes ao clima, ao aprimoramento da gestão hídrica e à implementação de práticas agrícolas sustentáveis.
Além das ações governamentais, o consumo consciente é importante na construção de um sistema alimentar mais sustentável. Priorizar alimentos produzidos localmente, dar preferência aos produtos da agricultura familiar e optar por alimentos da estação são atitudes que reduzem o impacto ambiental e ajudam a fortalecer os pequenos produtores. Escolher alimentos frescos em vez de industrializados também contribui para a saúde e para a economia das comunidades rurais.
Somente com essas medidas será possível garantir a segurança alimentar, preservar a biodiversidade da Caatinga e, ao mesmo tempo, estabilizar os preços dos alimentos para os consumidores brasileiros.
O desafio é coletivo
As mudanças climáticas não são uma ameaça distante, mas uma realidade que já afeta diretamente o nosso cotidiano. O aumento dos preços dos alimentos, causado pela escassez de recursos naturais e pela instabilidade climática, é um desafio que exige a colaboração entre governos, produtores e consumidores. O futuro da alimentação no Brasil depende da nossa capacidade de nos adaptar e de investir em soluções sustentáveis para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas. Só assim poderemos garantir uma produção agrícola resiliente e acessível a todos e todas.