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Gabriel Aguiar: “O que se denuncia aqui é a imposição de um modelo que não dialoga com as comunidades e muito menos com os ecossistemas locais”.

No início de julho, o Conselho Gestor da Sabiaguaba aprovou, por 14 votos a 2, um projeto imobiliário de 500 mil metros quadrados, o que equivale a 50 hectares ou 50 campos de futebol, dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) da Sabiaguaba, em Fortaleza, Ceará.

O projeto chamou a atenção de biólogos e entidades que denunciaram os prejuízos ambientais que o empreendimento pode trazer ao local e às áreas ao redor, já que a APA da Sabiaguaba encontra-se entre o Parque Natural Municipal das Dunas de Sabiaguaba e o Parque Estadual do Rio Cocó.

O Conselho Gestor da Sabiaguaba é formado por 20 representantes. Dentre os representantes estão secretarias municipais e estaduais do meio ambiente, universidades e organizações não governamentais. Na votação sobre o projeto imobiliário, um conselheiro absteve-se e outros dois estavam ausentes.

O Ministério Público, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e o IBAMA mostraram-se contrários ao projeto que segue em análise.

A Associação Caatinga conversou com Gabriel Aguiar, biólogo e integrante do movimento Fortaleza pelas Dunas, sobre o significado ambiental desse empreendimento.

 

 

Associação Caatinga| Gabriel, explica para o nosso público qual a sua relação com a floresta e as dunas da Sabiaguaba.

Gabriel Aguiar| Desde criança eu fui cativado pela área por sempre ser levado lá pelo meu pai, mas a minha relação com as florestas e as dunas da Sabiaguaba de forma mais engajada se iniciou em 2016 com o processo de regulamentação do Parque Estadual do Cocó. Eu era estudante de Ciências Biológicas na UFC e, logo que percebi que essas dunas florestadas não receberiam a devida proteção legal, comecei a me mobilizar. Essa atual ameaça de desmatamento é uma dentre tantas que tentamos barrar há anos.

 

AC| O Conselho Gestor da Sabiaguaba aprovou, por 14 votos a 2, um empreendimento imobiliário em 50 hectares na APA da Sabiaguaba. Na sua opinião, qual o significado dessa ampla maioria de votos em prol da degradação dessa área?

GA| Para mim significa que a paridade do Conselho, prevista na Lei. 9985/2000, acaba sendo relativizada na prática, de forma que a prefeitura e o governo aprovam qualquer pauta que quiserem. A prefeitura sozinha tem 8 assentos no conselho, além do assento do Governo do Estado e de aliados. Na prática, não é possível utilizar esse espaço para propor posições técnicas e conservacionistas, infelizmente. As entidades que foram favoráveis sem ser da prefeitura claramente estão adotando outra posição atualmente, a citar a UECE que hoje toma frente na campanha contra a devastação, o IAB que já deixa claro que não é favorável ao desmatamento da floresta e a Procuradora Geral do Município que já emitiu uma longa e impactante nota contrária à obra pela comissão que preside na OAB. A realidade é que o conselho acaba se tornando mais uma ferramenta para o poder executivo, o que é perigoso.

 

AC| E de que forma esse empreendimento impactaria na biodiversidade das dunas?

GA| De forma profunda e definitiva. Esse empreendimento, se consolidado, caracteriza-se como o maior impacto que pode haver: a supressão integral do sistema ambiental. Nesse loteamento todo o terreno será descaracterizado, já que a derrubada de dezenas de milhares de árvores, a morte de dezenas de milhares de animais e a planificação do relevo das dunas milenares é prerrogativa para a construção civil proposta. Para a biodiversidade, encontramos de fato uma proposta de extinção das populações locais e, adianto, de impacto extensivo sobre as áreas no entorno do empreendimento.

 

 


AC| Por não ter contato direto com a biodiversidade cearense, muita gente não tem noção da relação entre as florestas e cidade. Então nos explica: é possível que a degradação ambiental das Dunas da Sabiaguaba mude a rotina da população fortalezense?

GA| Certamente mudará. Posso resumir em quatro pontos: é pelo campo de Dunas da Sabiaguaba que entra o vento litorâneo no município, resfriando toda a cidade. Se prédios forem construídos ali, esse vento será desviado. São as dunas que captam as águas das chuvas, abastecendo nossos reservatórios com água limpa e impedindo alagamentos. Impermeabilizar a área acarretará em graves prejuízos para o ciclo hídrico na cidade. Essas dunas florestadas têm um importante papel na construção da paisagem do município, reconhecidamente uma cidade turística, que poderá perder muita renda com esse processo de extinção das dunas. E, por último, esse loteamento impactará negativamente a vida das comunidades tão importantes da Sabiaguaba. Sendo um empreendimento para pessoas de elevado poder aquisitivo, há uma forte possibilidade desse projeto iniciar um ciclo de descaracterização no território dos povos da Sabiaguaba que, a partir de muitas experiências anteriores, sabemos que acaba marginalizando ou expulsando, aqueles e aquelas que ocupam o território há várias gerações.

 

“Sendo um empreendimento para pessoas de elevado poder aquisitivo, há uma forte possibilidade desse projeto iniciar um ciclo de descaracterização no território dos povos da Sabiaguaba”.

 

AC| A área da qual estamos falando está entre duas unidades de conservação: o Parque do Cocó e o Parque da Sabiaguaba. Caso realmente aconteça, quais os impactos dessa construção para essas duas unidades?

GA| Os impactos para ambas as unidades de conservação seria muito significativo. Como é consenso entre os cientistas, a área a qual nos referimos apresenta índices de preservação superiores até às áreas de proteção integral do Parque Estadual do Cocó, servindo sobretudo como refúgio da biodiversidade e abastecedor de espécies silvestres para o Cocó. Perder essa área significaria um dano em cascata para toda a fauna e flora do Parque do Cocó. Para o Parque de Dunas da Sabiaguaba, o mesmo pode ser dito com acréscimos: esta área está na rota do campo de dunas móveis e muito em breve começará a receber sedimentos. Um loteamento nessa área certamente significaria mais problemas com as dunas móveis no futuro próximo. Além disso, essa área é o mais importante conector entre as duas unidades de conservação citadas, sendo a sua perda uma grave fragmentação no corredor ecológico dessas áreas protegidas.

 

AC| A especulação imobiliária trabalha com a ideia desenvolvimento econômico e muitas vezes essa é a justificativa para adentrar em áreas de floresta em pé. Mas existe alguma forma de aliança positiva entre o desenvolvimento econômico e a conservação ambiental?

GA| Sem dúvida. Sabemos que todos somos favoráveis ao desenvolvimento, as comunidades da Sabiaguaba falam isso o tempo todo. O que está sendo posto em questão é a qual desenvolvimento nos referimos. Um desenvolvimento sustentável que gere renda para a comunidade através de iniciativas de ecoturismo comunitário, trilhas guiadas, pesca tradicional, colaborações científicas e práticas esportivas integradas ao espaço são de grande aceitação, o que se denuncia aqui é a imposição de um modelo que não dialoga com as comunidades e muito menos com os ecossistemas locais.

 

“O que se denuncia aqui é a imposição de um modelo que não dialoga com as comunidades e muito menos com os ecossistemas locais”.

 

AC| Gabriel, infelizmente você já recebeu ameaças de morte por defender as dunas da Sabiaguaba. Pode explicar para nós como foi episódio e por que há tanto ódio contra ambientalistas? 

GA| Sim, infelizmente. Fui ameaçado quando me posicionei contrariamente ao transito de veículos offroad nas áreas de proteção integral do parque de dunas. Como pesquisador da área, vi diversas vezes ovos, animais e artefatos arqueológicos destruídos por esses veículos, além de toda a descaracterização local. Me posicionei contrário a essa prática na Sabiaguaba e fui ameaçado. Sei que não fui o primeiro e nem serei o último, já que inclusive o Brasil se destaca no ranking de ameaças a ambientalistas. Entendo que esse ódio se deve muito a nossa formação humana e à dificuldade, sobretudo de pessoas mais velhas, de compreenderem que estamos em um novo tempo em que a natureza não é mais considerada infinita e em que as nossas ações de insustentabilidade estão sendo cobradas. É incômodo para quem não entendeu isso e a resposta as vezes pode ser violenta.

 

AC| Para finalizar, Gabriel: de que forma as pessoas, em um modo geral, podem contribuir para a defesa da Sabiaguaba?

GA| De muitas formas, isso que é legal. Antes de tudo, vale a pena visitar a área. Quem puder: ir conhecer o rio, as praias e as dunas do local, conversar com moradores locais e entender a riqueza que ainda existe ali. Nas redes: divulgar os materiais já produzidos por diversas instituições e movimentos sobre a preservação desse território e no dia a dia, sempre se posicionar em defesa da natureza e de um modelo de urbanismo integrado com as áreas preservadas, que não queira corrompe-las em privilégio de alguns poucos. Ah, e seguindo a página @fortalezapelasdunas no instagram, em breve teremos grandes novidades!