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Daniela Sifuentes: “pandemias são uma resposta ecológica, muitas vezes para crescimentos populacionais descontrolados”

O coronavírus é, talvez, o maior desafio enfrentado por nossa geração. Já são mais de um milhão de infectados e mais de 53 mil mortes ao redor do mundo. Mas, apesar desses trágicos acontecimentos que marcam nossa história, a pandemia do Covid-19 é uma oportunidade para repensarmos a relação entre humanidade e natureza.

Enquanto cidades inteiras estão em quarentena, já é possível observar leves sinais de uma “regeneração” do planeta Terra. No fim de fevereiro, imagens de satélite da NASA registraram um declínio nos níveis de poluição sobre a China. Essa redução seria resultado da diminuição das atividades e da baixa circulação de veículos provocada pela pandemia, já que grande parte da população chinesa está de quarentena em casa. O mesmo fenômeno foi observado no Brasil e em países como França, Espanha, Itália e Alemanha.

Além da baixa de gases poluentes, outros fenômenos foram observados em cidades afetadas pela coronavírus. Os canais de Veneza, por exemplo, geralmente cheios de  barcos e turistas, estão agora com águas cristalinas; repletas de peixes e cisnes. Isso acontece porque, sem o movimento de motores e hélices, os sedimentos foram para o fundo da água.

Em Barcelona, os Javalis são figuras conhecidas pelos moradores locais, mas devido ao regime de quarentena imposto na região, os mamíferos foram flagrados perambulando em busca de comida em avenidas famosas da cidade. No Japão, bandos de veados do parque de Nara (cidade do centro-sul japônes) saíram dos limites da unidade ambiental e ganharam as ruas atrás de alimentação.

Esses acontecimentos são, talvez, uma oportunidade para que nós possamos ter esperança em meio à pandemia. Mas para entender um poucos mais sobre essas mudanças, a Associação Caatinga conversou com a bióloga Daniela Sifuentes, uma profissional que trabalha com monitoramento e resgate de fauna silvestre. Em uma entrevista realizada por telefone na segunda-feira (30), ela explica sobre um possível “lado bom” do Covid-19.

 

 

Associação Caatinga | Imagens de satélite mostram que a quantidade de dióxido nitrogênio (NO2), gás produzido por veículos e usinas, caiu drasticamente em Wuhan e no norte da Itália, regiões onde há a política de quarentena e isolamento social. Com base nisso, podemos dizer que há algum “lado bom do coronavírus” em relação à vida natural?

Daniela Sifuentes| Pensando em nós como espécie animal, não fica tão difícil responder à essa pergunta. Todos os dias me questiono: “COVID-19 é herói ou vilão?”. Quando se fala em vida natural, devemos pensar em um todo, e não apenas em nossa espécie. Enquanto nos enclausuramos em nossas casas, outras espécies que até então se sentiam ameaçadas com a nossa presença (direta ou indireta), começam a surgir novamente. Um clássico exemplo que comoveu as redes sociais durante essa pandemia foi a presença de golfinhos e cisnes no canal de Veneza. Devido à diminuição da circulação de embarcações de grande porte no porto e com a ausência de turistas, as águas também ficaram mais limpas, e esses animais se sentiram à vontade para transitar por lá. Então, quando falamos em “ficar em casa” e “todas as vidas importam”, estamos claramente nos referindo apenas a vida humana. E eu lhes proponho uma reflexão: “Quais vidas importam?”.

 

AC | Quais as relações positivas e negativas que podemos fazer entre o coronavírus e o meio ambiente?

DS | Levando em conta que a humanidade extinguiu em torno de 60% de toda vida selvagem do Planeta Terra em apenas 50 anos, e que estamos nos aproximando de 8 bilhões de pessoas no mundo, e repito mais uma vez, pensando em nós como espécie animal, pode-se dizer que pandemias são uma resposta ecológica, muitas vezes para crescimentos populacionais descontrolados. A explosão populacional humana vem causando uma série de problemas que estão gerando desastres ambientais. Se não for o COVID-19 para dizimar uma parte da população humana, será outro micro-organismo daqui há alguns anos. Doenças infecciosas estão aumentando e saltando para nós por causa das condições que criamos. Enquanto éramos caçadores coletores em pequenas populações, para um micro-organismo conseguir nos infectar, ele precisava ficar incubado por um bom tempo até essa pessoa ter contato suficiente com outra. Com o advento da agricultura há 10.000 anos atrás, a produção de alimentos possibilitou a aceleração do crescimento populacional e passamos a viver em populações muito mais densas e nos mesmos lugares, criando condições ideais para esses micro-organismos nos “atacarem” e se espalharem.

Enquanto estamos em casa clamando por solidariedade, bilhões de toneladas de lixo são produzidas por nós. Se já produzíamos milhões de toneladas de lixo por mês, imaginem agora, com hospitais superlotados, restaurantes embalando milhares de “quentinhas” por dia, e pessoas em suas casas dando “aquela” faxina. E mais uma vez o Planeta Terra vai sofrer as consequências (e nós também). Em contrapartida, ficou evidente a diminuição na queda global na poluição do ar, por exemplo.

 

“Pode-se dizer que pandemias são uma resposta ecológica, muitas vezes para crescimentos populacionais descontrolados.”

 

AC| Quais reflexões podemos tirar dessa “regeneração da Terra” que, em tão pouco tempo, já se mostra eficiente?

DS| Uma reflexão um pouco grosseira, mas necessária: um micro-organismo, invisível ao olho nu, é capaz de acabar com a vida humana. E tem gente por aí que se acha superior, não é mesmo? Não somos absolutamente nada aqui. Se o Planeta Terra explodisse hoje, não restaria nada de nós e o Universo seguiria seu curso naturalmente. Já ultrapassamos a capacidade de suporte do Planeta Terra, e se não começarmos a mudar nossos estilos de vida e repensarmos sobre nossos hábitos, vamos nos autodestruir em menos tempo do que se imagina.

 

AC| Muitas pessoas têm falado que cobras ou outros animais domésticos são vetores do coronavírus. Essa afirmação é correta ou falsa?

DS| Inúmeros vírus se originaram de animais que nós começamos a criar. Temos como exemplo a gripe suína, a gripe aviária, o HIV, que se originou do Chimpanzé, provavelmente de caçadores que comiam a carne do animal, entre outros. Mas, em relação ao COVID-19, um estudo recente publicado na Revista Nature sugere que esse coronavírus é de provável origem de morcego.