Pesquisadores planejam usar fungo para controlar praga invasora que destrói carnaubais
Conhecida como “Unha do Diabo”, a planta invasora vinda de Madagascar ameaça o setor carnaubeiro e a sobrevivência da biodiversidade da Caatinga.
Uma planta trepadeira invasora tem colocado em risco os carnaubais do Nordeste e a biodiversidade da Caatinga. Conhecida popularmente como “Unha do Diabo”, a espécie exótica preocupa pesquisadores que buscam uma forma de combater a praga que aflige a árvore símbolo do Ceará e do Piauí. Quatro universidades brasileiras e uma organização do Reino Unido desenvolvem um projeto que busca encontrar, em um fungo, a resposta para o problema.
O objetivo do projeto é avaliar um o fungo como um agente de controle biológico. Nativa de Madagascar, na África, a Unha do Diabo é uma espécie que cresce em volta do tronco da carnaúba, sufocando-a e impedindo a absorção de luz solar, o que leva a palmeira à morte. O mesmo acontece com outras plantas nativas da Caatinga. A praga já tomou conta da paisagem de grandes áreas dos estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Piauí, além de pequenos trechos em Pernambuco. A planta foi introduzida no Brasil há pelo menos 100 anos, provavelmente, como uma espécie ornamental.
“A introdução do fungo precisa ser feita de forma científica, pois além de combater a espécie invasora, o agente de controle não pode afetar plantas nativas, a ideia é resolver um problema e não criar outro.”
Mas a solução do problema não é tão simples quanto parece. Apesar da pesquisa apresentar bons prognósticos, é preciso cautela. Robert Barreto, professor do Departamento de Fitopatologia da Universidade Federal de Viçosa e pesquisador do projeto, explica que para ter êxito “a introdução do fungo precisa ser feita de forma científica, pois além de combater a espécie invasora, o agente de controle não pode afetar plantas nativas”. Ele assevera que a “ideia é resolver um problema e não criar outro e que a disciplina do controle biológico tem que ser rigorosa e não pode admitir erros”.
O fungo selecionado se chama Maravalia cryspostegiae, conhecido popularmente como ferrugem. A espécie também é nativa de Madagascar e é a principal inimiga natural da Unha do Diabo. A análise do fungo é liderada por pesquisadores do Centro de Agricultura e Biociência Internacional (CABI), uma organização da Inglaterra que atua em parceria com as instituições brasileiras.
Robert exemplifica que o fungo “já foi usado com sucesso espetacular na Austrália para resolver um problema semelhante”. Além do país da Oceania, “Nova Zelândia e África do Sul têm uma longa lista de sucessos completos no controle de plantas invasoras exóticas como a Unha do Diabo. Não estamos reinventando a roda aqui”, finaliza o professor.
Francisca Soares, professora do Departamento de Biologia da Universidade Federal do Ceará, analisa áreas dos três municípios cearenses (Granja, Caucaia e Jaguaruana) onde o fungo será aplicado. “Estamos investigando, previamente, a capacidade reprodutiva, a produção de biomassa, o crescimento e o censo populacional da Unha do Diabo nos carnaubais”, diz Francisca. A docente ainda esclarece que esses estudos continuarão a ser feitos após a aplicação do agente de controle biológico “para avaliar a eficácia do mesmo”.
Caso a pesquisa demonstre a eficácia total do fungo no combate à Unha do Diabo, a introdução do agente de controle biológico ainda dependerá do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) que precisa declarar estado de emergência fitossanitária no Ceará.
A pesquisa também conta com a participação da Associação Caatinga, Universidade Estadual de Feira de Santana, Universidade Estadual do Ceará e com o patrocínio da Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará (ADECE) e Sindicato das Indústrias Refinadoras de Cera de Carnaúba no estado do Ceará (Sindcarnaúba).
Questões ambientais
Ao afligir os carnaubais, a Unha do Diabo afeta também toda a biodiversidade da Caatinga. Rafael Costa, professor do departamento de biologia da UFC, explica que a palmeira funciona “como elo importante na cadeia de biodiversidade dessas áreas, ela está associada a processos ecossistêmicos que ligam, por exemplo, ciclos químicos de fornecimento de recursos para biodiversidade e uma série de animais que dependem da carnaúba como fonte de alimento, então perder os carnaubais é também perder esses elos”.
Além disso, a presença da Unha do Diabo em margens de rio e córregos está associada a uma forte competição por água. A trepadeira invasora tem alto nível de captação hídrica e disputa o recurso com espécies nativas, tanto da fauna quanto da flora.
“Os prejuízos trazidos pela Unha do Diabo podem reduzir em mais de 75% a renda dos trabalhadores.”
Problemas socioeconômicos
A carnaúba é uma árvore importante para o ciclo econômico do Nordeste. A cera da palmeira ocupa o 8º lugar na pauta de exportação cearense. E a expansão da Unha do Diabo deixa esse mercado, que emprega milhares de famílias, em situação de risco.
Rony Barroso é pós-doutorando em Ecologia na UFC e faz parte do projeto de combate a praga, sua pesquisa está voltada para os aspectos socioeconômicos da espécie invasora. Rony entrevistou 40 trabalhadores que vivem da extração da palmeira.
“Os prejuízos trazidos pela Unha do Diabo podem reduzir em mais de 75% a renda dos trabalhadores”, afirma o pesquisador. Em sua pesquisa, Rony também enfatiza outros problemas relatados pelos trabalhadores: dificuldade de acesso aos carnaubais para colheita das palhas, perda de até 75% na oferta das folhas da palmeira.