No Brasil, durante muito tempo, prevaleceu entre especialistas, políticos e intelectuais o pensamento de que existia, no Nordeste, um impiedoso inimigo que deveria ser combatido: a seca. Assim sendo, por várias décadas, os governantes brasileiros desenvolveram projetos contra os longos períodos de estiagem. A ideia era derrotar a seca.
Foi assim que surgiu, em 1909, a Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), uma instituição que tinha como intuito realizar uma série de construções no semiárido: açudes, adutoras, poços profundos, estradas, pontes e outras obras de infraestrutura. Mas, provavelmente, você conhece a IOCS por outro nome, já que alguns anos depois a instituição mudou de sigla. Desde 1945, ela é conhecida como Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS).
O DNOCS foi responsável por grandes obras que até hoje marcam a história sertaneja, como por exemplo os açudes Orós, Castanhão e Açu, três importantes reservatórios de água da Caatinga. E, apesar da inegável importância das obras construídas pela instituição, grande parte da organização dos projetos do DNOCS foi arquitetada a partir da premissa de combate à seca.
Porém, a seca não é um fenômeno que pode ser derrotado. Atualmente, sabe-se que os longos períodos de estiagem na Caatinga são eventos cíclicos e naturais.
Por isso, após décadas de consecutivas falhas em derrotar a seca, as coisas começaram a mudar e um novo conceito ganhou força: o de convivência com o semiárido. Mas o que isso significa?
Na prática, conviver com o semiárido é, primeiro de tudo, admitir que as secas são eventos naturais, cíclicos e que não devem ser combatidos. Com isso em mente, é possível pensar uma nova relação do sertanejo com os ambientes naturais da Caatinga, além de novos métodos de intervenção governamental.
A convivência com o semiárido incentiva a criação e o desenvolvimento de alternativas tecnológicas para fortalecer as potencialidades da Caatinga, sem deixar de lado os aspectos ambientais e sociais da região. Em outras palavras: não é preciso fugir do sertão durante a estiagem ou temer o clima do semiárido.
Outro ponto importante a ser ressaltado é que conviver com o semiárido significa buscar a redução dos impactos humanos na degradação e devastação da Caatinga. A convivência leva em conta que queimadas e desmatamentos desequilibram o ecossistema do semiárido, o que tende a aumentar as dificuldades durante os períodos de seca.
Mas é impossível negar que, por muito tempo, os efeitos das secas prolongadas assolaram a região nordeste. Mortalidade infantil, êxodo rural desenfreado e pobreza foram alguns dos principais problemas enfrentados pelo povo sertanejo.
E por causa das ideias de “combate ao semiárido”, as consequências da seca foram pautadas unicamente como resultados dos aspectos climáticos da região, enquanto as causas sociais eram ignoradas.
Assim sendo, para continuarmos a mudar a realidade do sertão é preciso apostar em uma proposta de desenvolvimento que entenda que é mais do que possível viver na realidade semiárida. Mas, para isso, é preciso garantir, ao povo, o acesso a políticas de crescimento econômico, humano, ambiental, cultural, científico e tecnológico. Em outras palavras, conviver com o semiárido é mais do que viável, mas demanda vontade individual, coletiva e política.
Para possibilitar a convivência com as secas é necessário orientar os investimentos a partir da sustentabilidade, garantir o acesso à água, assegurar a segurança alimentar de todos e todas, fortalecer as comunidades rurais e as tradicionais, estimular a agricultura familiar, incluir mulheres e jovens nos processos de desenvolvimento, difundir tecnologias e metodologias adaptadas ao semiárido, conservar e regenerar os recursos naturais providos pela Caatinga e buscar meios de financiamentos adequados.
Nesse sentido, as grandes obras de emergência foram fundamentais para a vida do povo sertanejo, mas ainda não são o suficiente. Algumas coisas precisam mudar porque, para o sertanejo, não basta sobreviver, sobreviver é pouco. É necessário viver e viver bem.
Porém, apesar de superada, a ideia de combater a seca ainda persiste em grande parte da sociedade. Por isso, é preciso lembrar diariamente que nós não somos apenas mais uma figura da paisagem árida e seca do nordeste. Nós somos sujeitos das mudanças e temos a possibilidade e o dever de escolher o caminho das alternativas mais viáveis e sustentáveis.
Porque a alma e o corpo do sertanejo são como o Umbuzeiro, uma planta nativa da Caatinga que, seja qual for a época e independente das dificuldades, nunca perde suas folhas e está sempre forte, altiva e imponente. E assim como o Umbuzeiro, que guarda água em suas raízes para atravessar os tempos de estiagem, o sertanejo tem aprendido, nas últimas décadas, que não é necessário combater o semiárido, mas sim que é preciso aprender a conviver com ele de forma saudável e sustentável.
Somos a mudança, somos o povo da Caatinga.